Acho sempre bem simbólico isso de resgatar do fundo da gaveta o maço de papel pautado, assoprar dele a poeira e, com a solenidade que pede o momento, preparar a caneta-tinteiro para a vinda de uma nova carta. Porque o lado Clarissa tem seus rompantes literários e, vez ou outra, precisa tomar este espaço emprestado.
"Não desde que te conheci, mas desde que te percebi, tenho pontuado meus momentos com tua presença. Reconforto-me contigo no pensamento. É tua figura que me aninha o âmago, tal qual os lençóis, com aquele cheiro de estendidos ao sol em uma manhã de domingo para secar, envolvem-me no embate à espera do sono, enquanto penso em ti. Recriando diálogos travados apenas no imaginário, mas que escorrem entre nós no receio de todo o dia. Ensaiando situações em que diria livremente as exclamações. Planejando as reações que teria se tu me dissesse aquilo que tanto espero se confirmar. Sim, porque eu suspeito. E em cada detalhe busco uma evidência que comprove meu anseio. Mas é da afirmativa que preciso. Chame de insegurança, ou egoísmo, se preferir, mas não me bastam as insinuações. Preciso que me aplaques a vaidade dizendo, uma vez que seja, de tempos em tempos, claramente que sim. Embora vistas com garbo o traje do orgulho indiferente, e que também eu o faça para ti com igual maestria, é de muito que desejo a suspensão do fogo amigo, por breve que seja, para, no lugar dele, um momento de confidência. Sem que haja o que cede e tampouco o que domina, mas um mútuo acordo. Eu para ti e tu para mim. Declaremos tudo que precisa ser sabido e sigamos com nosso modelo. Seguro, então. Porque desse excesso de resguardar pode vingar o frio."
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